24 maio, 2011

maratona

eu queria correr. desenfreadamente, sem limites, para onde o único destino fosse aquele imposto pela medida da minha exaustão. eu queria correr para longe, distante o suficiente, para ouvir apenas os meus passos, onde o som mais intenso fosse o arfar da respiração. eu queria correr numa só direção, numa estrada reta, sem horizonte. correr num ritmo constante e sem fim. eu queria sentir o vento secando a pele, do meu esforço, tirando meus cabelos do rosto. eu queria chegar ao fim e começar de novo. correr sem rumo ou descanso, sentindo cada músculo ardendo no corpo, sentindo a dormência do sangue em movimento. eu queria correr até me faltar o fôlego, até abrir o peito, e solto, poder sair do chão. e que seja qual for o fim do percurso, que seja a minha companhia o silêncio que só a ausência permite, ao coração.

08 maio, 2011

O dia do casamento

Tudo deveria começar pelo casamento. As pessoas se conhecem, se encantam, se apaixonam e com duas semanas se casam. Se casam antes de conhecer os piores defeitos, antes de saber o prato preferido. Se casam antes das primeiras crises, se casam antes de conhecer cada canto do corpo. Se casam antes da primeira ressaca juntos, antes de descobrir todas as manias. 

Se casam quando estão apaixonados, quando preferem dividir o chuveiro, se casam quando passam o final de semana todo juntos debaixo de um edredon. Se casam quando fazer amor é ainda um ritual lento de conquista, que começa naquele telefonema para marcar o jantar. Antes disso, preciso comprar um vestido. Se casam quando os beijos ainda tiram o fôlego, quando o dia demora pra passar. Se casam quando pensam em enfrentar o mundo juntos, quando querem tudo, e até o menor dos eventos é um festival.

Se casam quando ainda dormem enroscados, cheirando o cabelo um do outro, quando o toque das mãos nas costas ainda arrepia, quando o coração ainda está vulnerável e desarmado. E que fraqueza tão boa.  Se casam quando ainda existe todo o encanto do primeiro encontro, quando o começo é de fato o começo e o amor não dá descanso. Se casam.

Se casam no momento certo, da forma como deveriam ser todos os casamentos, como uma junção de duas pessoas tão apaixonadas que, de loucas, não enxergam o mundo, ou a consequência das suas paixões. Mesmo que depois se separassem, mesmo que depois o amor acabasse, mas que não acabasse depois de anos de relacionamento.

Mas tudo não começa pelo casamento. O casamento é a última instância, o último passo, a última medida diante de anos de um namoro desbotado. Raros são os que se casam realmente apaixonados. A maioria se arrasta num relacionamento apagado, esperando só o bendito dia do casamento para dar fim ao enfado. 

Quando o coração já não vê tão bem o outro, quando os corpos já estão cansados de se conhecer, quando dormir junto é dormir separado no mesmo metro quadrado, quando já se conhecem todos os passos, quando os defeitos, antes tão raros, são exatos, quando os sonhos não saem mais do travesseiro, quando enfrentar o mundo significa apenas mais um dia de trabalho, quando não existem mais desculpas fiadas, quando não existe mais saudade, só costume, quando não existe mais o que postergar. Eles se casam.

Vão dividir o mesmo teto, enfim, e uma equação subtraída dos melhores momentos, aqueles do começo, aqueles mais intensos, aqueles que fazem ter vontade de casar, aqueles dos primeiros passos.