30 junho, 2008

O Casamento

Por que é que em todos os casamentos existe sempre uma tia solteirona pagando de gostosa? Pois obviamente encontrei uma figura dessas num casamento. Ela vestia um vestido longo púrpura arrematado com sandálias prateadas cheias de pedraria de falsos cristais. Tudo muito chique. Os cabelos pelos ombros, tingidos de loiro, maquiagem pesada que não conseguia esconder as rugas dos seus cinquenta e tantos anos. Com uma taça de champanhe abraçada por mãos de unhas postiças, enormes, com esmalte vermelho da moda, a tiazona desfilava no salão com um sorriso imenso no rosto. Ao seu lado um jovem musculoso, com bronze de solário, cabelo platinado, espetadinho, cheio de cera e com um figurino modernoso afeminado, dança freneticamente, rebolando o quadril e olhando a loira cinquentona dos pés à cabeça, simulando um desejo por ela com expressões dignas de filme erótico francês. A figura disfarçada do garoto de programa. A tiazonha dança, enlouquecida de champanhe, jogando os cabelos para todos os lados, se sentindo a rainha de bateria daquela grande escola que se tornou o salão de festas. Como que desfilando na Sapucaí ela abre os braços para o alto e joga a cabeça para trás com profundo regozijo.

26 junho, 2008

Silvia, a ardilosa

Silvia, toda prosa, chegava ao bar com a saia curta, o cabelo preto solto pelas costas, o olhar inocente e a mente ardilosa. Sentava-se nos banquinhos altos, pegava uma bebida com muito gelo e esperava ansiosa. Ao som das melhores músicas Silvia dançava, depois se sentava. Atraía olhares por onde passava, jogava os cabelos com tamanha graciosidade como se eles também fossem um passo da sua dança. Não olhava para ninguém, deixava que olhassem para ela. Fazia por onde ser notada, quer fosse no pestanejar dos olhos, ou no balanço dos quadris ou até no modo como pegava o seu copo. Silvia era, ela toda, desejo. Escondia, por trás da maquiagem pesada, o dia de trabalho, o cansaço, o vazio e o medo. Silvia desfilava pelo salão suas longas pernas de garça em cujos pés se arrematava uns sapatos vermelhos de saltos muito altos. O salto era a postura, toda ela firme e segura, sem denunciar que a postura ereta e obtusa escondia uma certa candura. Silvia batia os olhos em alguém naquela noite. Qualquer alguém que fosse e, sem pensar, roubava mais um beijo. Mais um, mais dez, mais tantos outros sem qualquer graça, com toda a farsa e sem nenhum interesse. Silvia não queria uma história de amor, não queria um conto de fadas, não queria um príncipe encantado. Silvia não queria nada, queria apenas uma noite menos vazia que as habituais. Não queria telefonemas no dia seguinte, não queria cartas nem recados, não queria nem saber o nome. Mas acontecia o que Silvia nunca queria nem sonhava, no outro dia, mal acordava, já tinha mais um homem caído aos pés dos seus altíssimos saltos vermelhos. E todas as semanas era assim, quando Silvia soltava seus cabelos pelas costas, quando o seu corpo flutuava pela rua, Silvia se sentia mais despida, mais nua e roubava mais um beijo qualquer para se agasalhar. Um dia Silvia descalçou os sapatos, não saiu de casa, não colocou a pesada maquiagem, prendeu o seu cabelo um arranjo desregular no topo da cabeça, vestiu uma camisa velha que tinha de seu pai e dormiu. Dormiu por dias a fio, sem hora para acordar nem para comer, sem ter o que ver pela janela, sem telefones, sem ninguém. E quando acordou, Silvia encontrou ao seu lado, na cama, um corpo igual ao seu, com uns olhos expressivos, olhando para ela, ardilosos e vazios. Silvia pegou nesse corpo e o trancou no armário, junto com os sapatos vermelhos e engoliu as chaves para nunca mais abrir. Quanto ao corpo não se perdeu grande coisa, quanto aos sapatos vermelhos, Silvia decidiu comprar outros, mas desta vez azuis.



CRÉDITOS

Aos homens que são igual a Silvia e que as mulheres esperam que um dia também se tranquem num armário e engulam a chave.

Recursos estilísticos - Uma forma didática de aprender

Para compreender o texto, consulte uma gramática.

Hipérbole é a bunda da Sheila Carvalho.
Oxímoro é a bunda da Mulher Melancia
Ironia é a bunda da Giselle Bünchen.
Metáfora é “dormir” com alguém.
Antítese é dormir quando deveria estar acordado.
Eufemismo é dizer que “seu menino” adormeceu,
Quando, na verdade, está morto e não tem quem ressuscite.
Hipocorismo é chamar seu órgão genital de bilauzinho.
Metonímia é pegar uma “loira”.
Sinédoque é beijar mil mortais gostosas.
Pleonasmo é dizer que Juliana Paes é BOA.
Anáfora é dizer que nem fode, nem sai de cima,
nem caga, nem desocupa a moita.
Antonomásia é ser uma amélia.
Anacoluto é quando você tem o feio
e o bonito lhe apetece.
Disfemismo é chamar Britney Spears de obesa.
Aliteração é você sempre se sentir a sensação do pedaço
e ver que isso não passa de um sonho insensato seu.
Personificação é dizer que a vida sorri pra gente.
Assídeto é sair segunda, terça, quarta, quinta e sexta.
Gradação crescente é tomar uma, duas, três, quatro, cinco cervejas.

Os melhores textos não são felizes

Já quis escrever textos felizes, que fizessem as pessoas rir, mas o que tenho de palhaça na convivência, não o tenho na escrita. Isto por que só escrevo quando estou triste ou quando o assunto realmente se vê pertinente e inconvenientemente chato na minha cabeça. Contudo, sempre me pergunto: por que é tão difícil escrever textos felizes? E as perguntas continuam.

Mas de que valem os textos felizes? Os grandes textos, os grandes poemas e os grandes poetas não escreveram textos felizes. Os textos com aquele tempero de saudosismo e melancolia são aqueles que guardamos para sempre. Por que o ser humano tem um quê de derrotado e a derrota é tão mais vivida, mais sofrida e mais sentida que a alegria, que a vitória. O que seria da poesia sem a incerteza de Fernando Pessoa, sem a agonia profunda de Antero de Quental, sem o bucolismo de Alberto Caeiro? O que seria da prosa sem o desespero de Camilo Castelo Branco, sem o trágico e o infortúnio de Eça de Queiroz? O que seria o teatro sem o verbo rasgado e os conflitos humanos de Nelson Rodrigues? O que seria a arte sem Santa-Rita Pintor, Munch ou o desequilíbrio de Kokorska?
Seja qual for a narrativa, escrita, atuada, pintada ou esculpida, só é refinada, sublime, profunda, etérea e eterna, se for submersa nos maiores pesares do homem.

CRÉDITOS

A Fernando Pessoa e seus heterônimos.
A Antero de Quental e seu suicídio.
A Santa-Rita Pintor e seu suicídio.
A Mário de Sá Carneiro e seu suicídio.
A Camilo Castelo Branco e seu suicídio.
A todos os outros mestres da tristeza e do ócio.

Post autobiográfico

Para quem quiser me conhecer mais.
Se quiser.

Eu pago as minhas contas.
Eu levo meu carro pro conserto.
Eu pinto minhas unhas.
Eu faço minha maquiagem.
Eu decoro minha casa.
Eu coloco água nas minhas plantas.
Eu encontro tempo onde não existe.
Eu invento tempo também.
Eu perco a memória a cada 5 segundos.
Eu perco as chaves e o celular a cada 3 dias.
Eu canto sozinha ou para a agencia ouvir.
Eu ando na chuva sem medo de molhar o cabelo.
Eu cuido das minhas irmãs.
Eu amo minha mãe.
Eu carrego um mundo que não é meu nas costas.
Eu também carrego uma culpa imensa.
Eu tenho costas doloridas todos os dias.
Eu não moro com os meus pais.
Eu não lavo o meu carro.
Eu sempre acordo mais cedo que o despertador.
Eu mordo a bochecha dormindo.
Eu tenho um travesseiro de hipopótamas bailarinas.
Eu digo não muitas vezes.
Eu digo sim mais do que gostaria.
Eu não dou sorrisos de graça.
Eu não sou um doce.
Eu sou muito pequena.
Eu sou enorme.
Eu falo muita besteira.
Eu leio muitos livros.
Eu desenho por horas a fio.
Eu telefono para a minha amiga.
Eu almoço na casa da minha avó.
Eu não gosto de ar-condicionado.
Eu trabalho de verdade.
Eu não sou bióloga marinha como eu sempre sonhei.
Eu me incomodo com barulho.
Eu não gosto de chuva.
Eu gosto de muito frio.
Eu preciso constantemente de chocolate.
Eu começo meu dia de inverno calçando sapatilhas
prateadas.

10 junho, 2008

Sex and the City - o filme

Quatro mulheres que sempre se vestem bem: bolsas Prada e Louis Vitton, perfumes Channel, sapatos Manolo Blahnik, roupas Cavalera, de La Renta, Dior e uma incessante busca por algo que não tem marca: amor. Apesar do filme fugir ao bom humor original da série, ele trata perfeitamente do amor. Através de quatro histórias paralelas, o amor é descrito nas suas mais variadas formas e manifestações:
A felicidade plena, a traição e o perdão, o amor-próprio e a infidelidade e o abandono. Este último é o ponto crucial do filme. O homem que depois de anos de namoro decide se casar e, num estalo de covardia, abandona a noiva no altar. Falando numa escala menor, podemos perceber quantos amores são abandonados antes mesmo de começarem. Quantos homens abandonam amores e pessoas simplesmente pela falta de coragem de se envolver. Sem que percebam, justificam esse abandono das formas mais patéticas acreditando que a mulher, em sua pureza, vai acreditar nelas também. E muitas realmente acreditam, ou fingem que acreditam. Mas como mulher posso dizer que as mulheres pensam muito. E pensamos que os homens dão desculpas patéticas que não nos convencem por que simplesmente preferimos acreditar nessa versão do que na versão simplificada: quando eles não querem se envolver, não querem mesmo e não se envolvem e não dizem isso diretamente por que para eles parece óbvio, mas para nós, que lemos as entrelinhas e que inventamos muitas delas, o não quer dizer sempre um talvez, tenho medo ou não sei. A eles não falta coragem para assumir um relacionamento, falta vontade. A nós falta coragem para aceitar isso.

01 junho, 2008

Peixes dentro de um aquário bem apertado

Não há coisa mais interessante que observar pessoas.
Elas estavam encostadas ao bar. Cabelos lisos, escovados no cabeleireiro, unhas vermelhas, peles macias, rostos porcelanados pelo pó-de-arroz, olhos marcados pelo kajal, lábios brilhantes feito cerejas, roupas pretas, para emagrecer, saltos muito altos e o mesmo olhar vazio de todas as outras bonecas de porcelana que se acomodavam à sua volta. O cabelos tingidos de loiro, as costas eretas para exibir o busto, o olhar incessantemente sensual, como se sofressem de um eterno apetite sexual. Elas não sorriem, movimentam os lábios na horizontal, não abrem a boca nem mostram os dentes, são comedidas, não por timidez, mas por falta de expressão. Olham para o recinto apertado e escuro. Percebem cada olhar masculino sobre suas curvas e retribuem o olhar com um outro, de esgelha e conseguem até fingir o rubor das bochechas, mas é blush.
Elas permanecem encostadas toda a noite no bar, conseguem bebidas de graça soltando gracinhas para os garçons, não dançam, se embriagam e permanecem com suas poses de divas mesmo quando os calos dos seus sapatos não as deixam mais ficar em pé. São todas assim e todas, quase que ao mesmo tempo, olham para o outro lado do bar. Alguma coisa chamou atenção e não foram os machos. Duas mulheres pequenas. Duas mulheres que parecem meninas, perdidas naquele lugar. Elas cantam todas as músicas, sabem todas as letras, as que não sabem inventam. O canudinho serve de microfone para aquele furor. Duas meninas que se destacam por serem muito felizes. A felicidade delas incomodava e destoava do recinto. Os homens também começam a estranhar, mas a estranheza logo se transforma em perplexidade e interesse. As bonecas de porcelana substituem os olhares vorazes por um questionamento: o que as faz serem tão felizes? de que tanto riem? por que não se preocupam em fazer caretas e rir alto demais? por que não se incomodam com os cabelos à chuva? Por que tiram os sapatos quando os calos doem? E não encontram resposta. Essas duas pessoas pararam o lugar escuro e apertado. Mesmo minúsculas eram peixes grandes demais para aquele aquário, eram peixes de mar, não de criatório. Eram peixes que sabiam sorrir com a boca e com os olhos e com todo o corpo, peixes que não precisavam de motivos para sorrir. As duas pessoas peculiares desta história não faziam gracinhas para o garçon para ganhar bebidas, mas para pedir os morangos vermelhos que eles colocariam nos drinks, e saltavam e vibravam com as músicas como se fossem crianças.