26 junho, 2008

Silvia, a ardilosa

Silvia, toda prosa, chegava ao bar com a saia curta, o cabelo preto solto pelas costas, o olhar inocente e a mente ardilosa. Sentava-se nos banquinhos altos, pegava uma bebida com muito gelo e esperava ansiosa. Ao som das melhores músicas Silvia dançava, depois se sentava. Atraía olhares por onde passava, jogava os cabelos com tamanha graciosidade como se eles também fossem um passo da sua dança. Não olhava para ninguém, deixava que olhassem para ela. Fazia por onde ser notada, quer fosse no pestanejar dos olhos, ou no balanço dos quadris ou até no modo como pegava o seu copo. Silvia era, ela toda, desejo. Escondia, por trás da maquiagem pesada, o dia de trabalho, o cansaço, o vazio e o medo. Silvia desfilava pelo salão suas longas pernas de garça em cujos pés se arrematava uns sapatos vermelhos de saltos muito altos. O salto era a postura, toda ela firme e segura, sem denunciar que a postura ereta e obtusa escondia uma certa candura. Silvia batia os olhos em alguém naquela noite. Qualquer alguém que fosse e, sem pensar, roubava mais um beijo. Mais um, mais dez, mais tantos outros sem qualquer graça, com toda a farsa e sem nenhum interesse. Silvia não queria uma história de amor, não queria um conto de fadas, não queria um príncipe encantado. Silvia não queria nada, queria apenas uma noite menos vazia que as habituais. Não queria telefonemas no dia seguinte, não queria cartas nem recados, não queria nem saber o nome. Mas acontecia o que Silvia nunca queria nem sonhava, no outro dia, mal acordava, já tinha mais um homem caído aos pés dos seus altíssimos saltos vermelhos. E todas as semanas era assim, quando Silvia soltava seus cabelos pelas costas, quando o seu corpo flutuava pela rua, Silvia se sentia mais despida, mais nua e roubava mais um beijo qualquer para se agasalhar. Um dia Silvia descalçou os sapatos, não saiu de casa, não colocou a pesada maquiagem, prendeu o seu cabelo um arranjo desregular no topo da cabeça, vestiu uma camisa velha que tinha de seu pai e dormiu. Dormiu por dias a fio, sem hora para acordar nem para comer, sem ter o que ver pela janela, sem telefones, sem ninguém. E quando acordou, Silvia encontrou ao seu lado, na cama, um corpo igual ao seu, com uns olhos expressivos, olhando para ela, ardilosos e vazios. Silvia pegou nesse corpo e o trancou no armário, junto com os sapatos vermelhos e engoliu as chaves para nunca mais abrir. Quanto ao corpo não se perdeu grande coisa, quanto aos sapatos vermelhos, Silvia decidiu comprar outros, mas desta vez azuis.



CRÉDITOS

Aos homens que são igual a Silvia e que as mulheres esperam que um dia também se tranquem num armário e engulam a chave.

1 comentário:

  1. Ela só n é Silvia pelas enormes pernas de garça e pelos sapatos que deixaram de ser vermelhos e agora são azuis. Ela n gosta de azul.

    ResponderEliminar