30 setembro, 2008

A vida é um brechó - parte II

Não sei se acontece com todo mundo, mas às vezes eu tenho uma vontade imensa de me esvaziar. Tal como se esvazia um guarda-roupa, com todas aquelas coisas que você não usa mais ou simplesmente nunca usou. Uma vez tive um sonho em que eu vestia uma roupa que não agradava a alguém e esse alguém me pedia para trocar de roupa, por que essa eu já tinha usado com ele. E eu simplesmente ficava desesperada por que aquela era a minha melhor roupa e, naquele momento, a única. Foi então que, através de uma análise meio freudiana, de associações livres e, conversando com minha Susue, percebi que todos nós vestimos roupas diferentes, para diferentes ocasiões e para diferentes pessoas. E essas roupas dizem tudo sobre nós. São roupas imaginárias, mas que podem cair tão bem quanto um vestidinho preto básico, ou tão mal quanto uma calça pantalona numa mulher baixinha. Infelizmente são os outros que nos dão o parâmetro do quão boa a roupa nos ficou. E para aquela pessoa, naquele momento, a minha roupa imaginária não lhe agradava. Ele queria uma mulher fútil, fácil e fatal, eu estava vestida como uma simples garota que quer uma boa companhia, uma conversa e, quiçá, um chocolate quente.
Hoje nem sei mais onde anda esse alguém e pouco me interessa. Mas do sonho ficou a metáfora. O meu guarda-roupa está muito cheio. Cheio de roupa velha, de coisas que eu preciso desapegar, abandonar, vender, doar, queimar, fazer desaparecer, colocar num brechó. Por que uma coisa que não me sirva, pode servir a alguém e um brechó é o melhor lugar para se repassar velhos costumes.

A grande saga de Sofia

Sofia sofre. Sofre por que sente. Sofia está num grande dilema, numa dúvida da qual ela já sabe a resposta, mesmo sem admitir. Foi assim das outras vezes, vai ser assim desta também. Sofia sabe que o que sente é fruto de algo que lhe é natural. Quando se apaixona, se incomoda. Por que para Sofia estar apaixonada é sentir 10 vezes mais, é elevar à décima potência qualquer sentimento, por mais simples e banal que seja. E é por isso que Sofia, tão reticente, evita a paixão. Por que já se deixou tomar por ela várias vezes e todas as vezes com intensidade suficiente para fazê-la sofrer em vão. Sofia não se se é só com ela que isso acontece, ou se com todo mundo é assim o que ela sabe é que o bom mesmo é somente gostar. É isso que pensa Sofia. Gostar está bom que chegue, dá que baste, para se manter uma relação. Mais que isso é soberba. Mais que isso é excesso e o que é excesso ou mata ou engorda. Sofia quer permanecer magra, e viva de preferência. Estar apaixonada é se incomodar com tudo. Tanto o bom quanto o ruim tomam as mesmas proporções e o que é bom é ótimo, o que é ruim é muito mais que péssimo. Tudo muito sem motivo. Somente pelo simples fato de que Sofia sente e sofre por que sente demais. A grande saga de Sofia, a sua grande missão, é evitar que essa paixão tome conta de si, por que é demais e ela não aguenta. Nunca aguentou. Sofia não quer mais se incomodar. Quer só gostar, como quem gosta de morangos: gosta, mas vive sem, não morre por eles nem faz tanta questão se não houver na sobremesa. Sofia quer só gostar e só ter isso mesmo pra sentir e não discutir, não se abalar. Um dia na praia, uns raios de sol, só gostar, devem ser o bastante e é pra isso que Sofia acorda todos os dias. Só para gostar.

29 setembro, 2008

Qual é a hora?

Amélia não consegue colocar o fogão pra funcionar. Já chamou o porteiro, o encanador. Já leu e releu o manual e o gás continua escapando sabe-se lá por onde. Todos os tubinhos, os encaixes, os canos, tudo no devido lugar. Amélia já usou a esponjinha com sabão, mas o vazamento não se acusa e Amélia continua, abusada e obtusa, sem conseguir ligar o fogão. Qual é a hora de Amélia simplesmente deixar de cozinhar?


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Elisabete sentou-se na cama, tarde da noite, catou todas as notinhas de contas de cartão para fazer suas contas. Ela estava adiando esse momento, esperando a vida dar uma guinada incrível e tudo se reverter. Mas chegou a hora de realmente colocar as contas no papel. Tudo em 4, 6, 10, 12 vezes sem juros no cartão. E não acabam nunca. E ainda aluguel, condomínio, feira, farmácia, consertos do carro. Tudo muito caro. Do dinheiro que ela tem, nada sobra e ainda vai faltar. Qual é a hora de Elisabete se desesperar?


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Marina tem a casa toda bagunçada. Móveis por montar, plantas morrendo, louça por lavar. As toalhas espalhadas pela casa, o tapete do banheiro todo molhado. Milhares de pastas e cds espalhados pelo chão da sala por que o rack não está montado. Qual é a hora de Marina organizar a vida e depois se organizar?


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Maria Alice tem um namorado, todo carinhoso, com quem ela passa o final de semana inteiro deitada na cama, conversando potoca, sem hora pra dormir de novo ou acordar de novo. Maria Alice encontrou esse namorado sem nem procurar por um, desmentindo o ditado que diz que quem procura acha. Qual é a hora de Maria Alice se deixar levar de vez, sem reticência e sem reticências?


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Fernanda está num dilema: olha dentro dos olhos de quem gosta e somente diz que gosta quando na verdade sente bem mais que isso. E volta a olhar nos olhos, a afagar, dar carinhos e beijinhos, a abraçar como se fosse a última vez, só para medir a intensidade do sentimento. Chega a não ligar, nem dizer nada, por que também precisa medir o quanto sente falta. Qual é a hora de Fernanda dizer que ama, em vez de dizer que gosta?


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Abigail tem mil projetos, mil sonhos, mil coisas que quer concretizar. Mas está perdida e sem tempo. Sempre teve mamãe do lado pra guiar e agora não tem mais. São tantas idéias, tantas, que não dá pra controlar. O cérebro não pára. O corpo pára e Abigail cai no meio da rua, assim, do nada. Qual é a hora de Abigal sentar e fingir, por um momento, que nada existe, para que ela possa descansar?



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Raquel não tem tempo. Nem pra si, nem pra vida, nem pra nada. Ela não fica parada. Corre de um lado pro outro e não chega a nada. Que satisfaça. Qual a hora de Raquel parar o próprio relógio? O relógio não pára.

19 setembro, 2008

A vida é um brechó

Um brechó cheio de coisinhas interessantes.
Pra se achar alguma coisa que preste em brechó (e quando eu digo brechó é daqueles cheios de coisas de vó mesmo, não as lojas caras e chiques que simulam esses ambientes) é preciso procurar muito. Andar pela Rua do Aragão, por horas, perscutando cada um daqueles buracos escuros, entrando em todas as lojinhas, falando com aquelas vendedoras tão engraçadas, que soltam palavrões reclamando de alguém que passou calote, ou simplesmente correm atrás de você querendo vender "esse sofá praticamente novo, de uma dona de Boa Viagem, que só precisa trocar todo o estofamento, mas que pra você eu faço um precinho especial".
Em brechó a gente encontra poltronas, almofadas, candelabros, mesas, vestidos, broches, perucas, telefones que não funcionam, globos estroboscópicos, bancos, televisões sem antena, geladeiras, sapatos, sonhos, projetos, frustrações por que nem tudo a gente pode comprar e, na verdade, a maioria das coisas a gente não pode comprar. Por que brechó é tudo, mas tem um problema: não divide em 10 x sem juros no hipercard.
Como metáfora para a minha vida, ela agora é um brechó. Vivo cantando coisas que possam me trazer dinheiro e agora meu quarto é um verdadeiro brechó, cheio de roupas que não dão mais em mim ou que eu não uso, ou roupa com as quais eu tenho um apego emocional forte, que teve que ser destruído, por que as contas estão chegando e é preciso pagá-las. O namorado também foi um achado, não num brechó, mas quase isso: num buraco escuro cheio de mulheres com pó de arroz.
No brechó que é agora a minha vida, a sorte do orkut sempre me diz a verdade: é hora de inovar, com criatividade, eu vou receber uma herança, minha vida vai mudar completamente. A minha casa ta quase pronta, com coisas de brechó e eu tenho outros tantos negócios para fazer.