25 julho, 2008

O beijo

tudo começa na nuca.
as mãos se entrelaçando no cabelo,
os lábios percorrendo o pelo,
sugando o perfume e o cheiro.
da nuca seguem os ombros
onde se perdem os beijos de novo,
onde se treme e se perde o controle,
onde o seios e os braços se encolhem,
de onde saem a liberdade e a prisão.
a boca e os gestos se perdem
nas curvas sinuosas do resto do corpo,
tateando cada pedaço, o caminho todo,
esperando o fim para começar de novo.

22 julho, 2008

O Curinga

O Curinga é uma carta do baralho que vale por todas as outras e tem o poder de assumir qualquer valor. Cada baralho é composto de 52 cartas e em cada um existem quatro Curingas que podem aparecer espalhados ou concentrados nas mãos dos jogadores. É o um trunfo na manga, é o fator surpresa, é o triunfo da esperteza sobre a inteligência e por isso, muitas vezes, é descartada do baralho. O Curinga simplesmente fica de fora do jogo, sorrindo da ingenuidade alheia, debochando do fato de que só ele não segue regras e estar fora do baralho é consequência disso. O Curinga, portanto, pode ser a carta mais importante e mais desejada de um jogo, mas nem sempre a melhor, por que é a carta mais injusta e mais insensata. Ele é a personificação do incorreto, a certeza de que há males que vêm para o mal mesmo. Mas isso não faz do Curinga um vilão, ou da carta a necessidade de ser descartada. Isso faz do Curinga um espelho da fraqueza humana, da corrupção e de como se pode ganhar um jogo sem fazer nada de bom nele, por que o Curinga também ensina que 48 cartas do bem não valem nada se no meio do jogo existem 4 cartas do mal, ainda que sejam apenas quatro. E de tudo isto se tiram várias lições:

A bondade não existe sem a maldade
Para existir maldade basta apenas existir alguma coisa
Para existir a bondade precisa existir muita coisa
A maldade é gratuita
A bondade é opção
A vida é um jogo com mais de quatro Jokers
O jogo não acaba e não existem vencedores
A insensatez faz parte do jogo
O trunfo muitas vezes tem que ser descartado
O maior inimigo é o mais próximo
Os heróis seguem muitas regras
Os vilões não seguem nenhuma
Os trouxas seguem a emoção
Os idiotas fazem blef para si mesmos
Um erro condena o que cem acertos não salva
Um erro condena o que cem acertos não salva
Um erro condena o que cem acertos não salva


Créditos

Ao Curinga por ser mau e ser tudo.
Ao jogo que infelizemente tem que ser jogado.
Ao Curinga que é tudo, mas está fora do baralho.

A vontade

A vontade de avançar é maior que a de recuar.
A necessidade de recuar é iminente.

A vontade de abandonar é maior que a de investir.
A necessidade de investir é a que se impõe.

A vontade de prender é maior que a de libertar
A necessidade de libertar é a que sobra.

A vontade de fugir é maior que a de ficar
A necessidade de ficar é a que impera.

09 julho, 2008

Sebastião

Sebastião era um homem amargo, pouco sexo, muito cigarro. Fumava dois maços por dia, bebia cinco cafés, três conhaques e uma pinga. Comia cachorro-quente e porcaria. Não bebia água, não comia fruta, não corria. Cultivava uma barriga de 9 meses sem ninguém lá dentro. Morava só, num quarto alugado sem ninguém à espera. Almoçava sozinho sem ninguém do lado. Tinha no pulmão um cinzeiro empoeirado. Tinha no lugar do coração um buraco desabitado.

Natasha

Nathasha era doce e era bela. Da sua cabeça pendiam longos, pesados e lisos cabelos pretos. Ela tinha um jeito todo especial de andar, de sorrir, de atender o telefone e até de fazer, com os dedos, movimentos circulares constantes à volta do copo em que bebia. Suas unhas sempre perfeitas, seu cabelo sempre penteado, suas faces sempre rosadas, seus olhos sempre delineados, sua boca sempre molhada, denunciavam que Natasha estava sempre cuidada. Mas Natasha não era somente doce e cuidadosa, era cautelosa, precavida e segura, sempre. Natasha nunca perdia o controle.
Um dia, ao envolver-se como o seu vizinho, um príncipe encantado que em vez de a cavalo chegou à sua porta de elevador, Natasha tomou todas as precauções para que este relacionamento desse certo. Entre beijos, vinhos, queijos e risadas, Natasha sempre ponderava cada um dos passos que dava, como uma dança ensaiada. As coisas andavam no compasso certo. Natasha jogava o charme, junto com os cabelos, tirava o corpo, jogava o beijo e assim o vizinho ia perdendo o controle que Natasha agora tomava como seu. Lá do alto da sua doçura, da sua cautela, da sua candura, lá do alto do seu controle, do seu pudismo, da sua timidez, lá do alto Natasha levou um tombo. Entre beijos mais quentes, presa entre os braços do seu vizinho, Natasha perdeu o controle quando o dito cujo largou o vinho, segurou-lhe a perna e deslizou sua mão da coxa ao calcanhar dela. Natasha toda tremia, meio surpresa, meio perdida, com as forças findas e a boca fria. Do alto de todas as suas precauções e de todas as suas cautelas, Natasha a bela, paralisava todo o seu corpo diante do seu enorme deslize: não havia depilado as pernas.

04 julho, 2008

Um PS

Post Script: cheguei hoje na agência e dei de cara com um bilhete suspeito colado no meu mac. Estava escrito com caneta preta, de tinta permanente dessas que se escreve em CD. É um post it amarelo da livraria Saraiva que diz assim: "Carol, você é linda e magra! Beijosmeliga. Seu admirador secreto." Ainda estou tentando descobrir quem é.

Um dia é preciso escrever coisas felizes

Todo o texto feliz ou emocionante geralmente começa com “existem coisas na vida” e assim o texto prossegue. Com este texto não poderia ser diferente por que, de fato, existem coisas na vida que fazem com que ela valha a pena, por mais piegas que isto possa parecer. A gente tem que passar por aqui para saber como é sentir tanta coisa junta. E eu sinto algumas que são assim:

Dormir abraçado em baixo de um edredon, numa cama cheia de almofadas, parecendo um ninho, com uma pessoa tão especial que faz-nos sentir parados no tempo e presos para sempre nos lençóis. E dessa prisão nenhum dos dois querer sair.

Passar a madrugada conversando qualquer coisa, deitada numa cama, olhando nos olhos quem a gente quer bem, sem que no outro dia seja preciso ir trabalhar. Sem que dia nenhum da nossa vida seja dia de ir trabalhar.

Dar risadas bem altas ao fim da tarde, na praia, com a melhor amiga, olhando para o mar, correndo na areia, num dia de domingo, com a praia vazia. E o sol simplesmente nunca se pôr.

Acordar com mamãe, à beira da cama, fazendo carinho no meu rosto, nos meus cabelos, dando beijinhos e imitando os passarinhos para eu acordar. E sempre ter a sensação de que não existe amor maior que esse.

Andar descalça pela casa, com uma blusa comprida, calcinha de algodão bem confortável e um copo cheio de morangos com leite condensado. E saber o que é doce de verdade.

Ver a chuva cair lá fora e estar aqui dentro, quentinha, ouvindo um fado, pensando em nada, pensando em tudo, dormindo ou simplesmente deitada. E ver que ainda é sábado e que o final de semana não acabou.

Abrir um livro e encontrar uma antiga carta de amor que foi escrita, mas não foi entregue e perceber como o amor e o sofrimento se repetem sempre, quase com a mesma intensidade, mas com formas de descrever diferentes. E ver que de uma narrativa para a outra só mudam os personagens.

Adormecer na cama do meu pai enquanto ele dá beijinhos na minha mão e fingir que ainda não acordei só para ele continuar a mexer nos meus cabelos e dizer no meu ouvido “amo tu”. E ter medo de um dia perder isso.

Tomar um banho muito quente, de deixar a pele vermelha, sair enrolada na toalha e deitar na cama e assim dormir, de toalha, mas com alguém do lado. E deixar que esse alguém sinta o cheiro do seu pescoço.

Acordar com o rosto amassado, os olhos inchados, o cabelo despenteado, o pijama todo torto no corpo, e se espreguiçar demoradamente e perceber que tem um cachorro lindo lambendo o seu dedão do pé. E achar que baba de cachorro é o máximo.

Pegar aquele bebezinho no colo, dar mamadeira, colocar para dormir, fazer massagem para cólica, dar beijinhos na barriga, apertar o bumbum, fazer palhaças, mesmo quando ele não é seu. E ver que se fosse seu, você seria a melhor mãe do mundo.

Comer crepes de chocolate com quem nos faz bem, por que um crepe de chocolate só se divide com quem se gosta. E saber que essa pessoa também gosta de nós em algum momento.



CRÉDITOS

Aos crepes de chocolate.
A mamãe por ser tudo.
Aos lençóis por me abraçar.

Auf wiedersehen.

Proparoxítona

Antes de qualquer post mais profundo preciso dizer que tive sonhos estranhos esta noite.
Num deles sonhei que, ao sair com um cara pela segunda vez, estava usando a roupa que havia usado no primeiro encontro com o dito cujo e, pasmem, ele reparava que a roupa era a mesma e se ofendia. E eu, desesperada, me justificava dizendo que tinha engordado e que só aquela roupa cabia em mim.
O outro sonho foi mais estranho ainda. Eram 8 da manhã e eu assistia um jornal matinal qualquer, apresentado pela Ana Maria Braga e o Louro José e o jornal anunciava em tom de perigo: "o CONAR, juntamente com a Associação Brasileira de Redatores Publicitários entra em colapso nesta manhã. O fato é que o governo proibiu o uso de proparoxítonas nos textos publicitários".
Pronto, meus sonhos estranhos estão aí. Que se cuidem os redatores.