27 agosto, 2010

Junto coisas

Junto coisas.
Trecos, tralhas
bagunças.
Papéis, livros,
tintas e folhas.

Junto canetas.
Bagulhos, caixinhas,
estorvos, sacolas,
colares, revistas
tão velhas.

Junto sapatos.
Birilos, vasos,
flores de plástico,
escovas.
Almofadas, postais,
bibelôs e lembranças.

Junto roupas.
Que nunca preenchem
o vazio que a solidão
me deixa, num coração
sempre à espera.

Não faz mais tanto sentido

Começa assim. Com a paixão mais egoísta de todas. Com os mais intensos sonhos adolescentes. Toda menina sonha com aquele que vai fazer o seu coração bater mais forte. Tão forte que não se contenha dentro do peito. O que eu digo com paixão egoísta é aquela que, quando somos muito jovens, queremos apenas a agonia inefável das paixões de verão. Tudo ao extremo, os maiores sentimentos, alguém que não consiga mais viver sem a gente. Por que toda aquela coisa de criança, de brincar na solidão, não faz mais tanto sentido.

Depois vem aquela paixão menos dramática, mais comedida, em que a liberdade dos anos, adquirida, nos faz não precisar mais de namorar escondido. Quase tudo é permitido e por-favor-me-conta-todos-os-teus-segredos. Aquela coisa de sofrer por saber demais. Por que todo aquele delírio, não faz mais tanto sentido. E eu quero compromisso.

Aos poucos a exigência com o outro vai aumentando e a necessidade de sentir um amor intenso vai diminuindo e toda aquela história de coração pulsante, sempre disparado, de mãos suadas e borboletas no estômago vão dando lugar ao discurso de que-eu-quero-a-sorte-de-um-amor-tranquilo, aquele com sabor de fruta mordida. Por que o sofrimento dos segredos (para quê sabê-los?) não faz mais tanto sentido.

E eis que depois de um tempo, com ou sem ninguém, a vontade de amar já não é tão grande e a gente só quer alguém que seja um bom pai para os nossos filhos ou que, não havendo filhos, seja aquele que sabe tratar bem. Por que sabe...aquela coisa toda de amor tranquilo, nada mais é do que um capricho, e já não faz mais tanto sentido. Eu só quero filhos.

Os anos se passam e a gente percebe que não precisa sentir tanto assim, por que sentir dá trabalho e o poeta já dizia que-não-se-pode-amar-e-ser-feliz-ao-mesmo-tempo. E aí só precisamos realmente de alguém a quem suportamos os defeitos, com quem conseguimos dividir o leito, sem brigar pelo edredon. Alguém com quem dê para conversar apenas e envelhecer juntos na varanda. Por que sabe...aquela coisa de família e de filhos, já não faz o menor sentido. Todo mundo já se criou.

E talvez no fim dos tempos, todo o amor do mundo, ao longo contido, volte para dentro do peito e fique comigo. Por que sabe...toda aquela coisa de alguém com você pra sempre, não faz mais tanto sentido. E eu quero dormir sozinho.

19 agosto, 2010

Alma Luna

Todas as noites Alma Luna se deita, estendida na cama, do lado esquerdo, acostumada com o vazio da metade do leito. A noite inteira. Não muda de posição na cama nem na vida. No fundo, no fundo, ainda acredita que tudo, por si só, um dia vai mudar. Nunca está satisfeita.

Por que Alma Luna inteira é a partida, nunca a chegada, a estadia, sempre a despedida. Alma sempre se sente fora do lugar, ainda não chegou lá. Alma da alma presa, perdida. Não importa onde seja, nunca vai chegar, por que, como diria o tal livro, longe é um lugar que não existe.

Deve ser perto então esse lugar. Tão perto que se sente, tão dentro, tão próximo, tão inerente. Alma da alma comprimida.

Alma Luna descansa, repousa sua cabeça no travesseiro e sente que sempre, sempre, falta alguma coisa que está fora do lugar. E o que está? Não compreende. Só sabe que o seu destino não lhe pertence por que lhe falta ao coração a paixão por aquilo que tanto lhe perturba a mente.

Pensa apenas que quer chegar a um lugar, tão claro e tão específico. Um enorme vão sem paredes, com grandes janelas abertas por onde o sol sempre possa entrar. A vida sem pressa e sem demanda. A calma de esperar apenas do próximo dia chegar, sentada na varanda. Na varanda um gordo gato preguiçoso. Por todos os lados tintas, telas, livros e folhas. Ninguém para mandar. Alma da alma desprendida.

A leveza da responsabilidade apenas por si mesma e a materialização do sentir-se só, realmente estando. Por que sentir-se só acompanhada é um desencanto. Mas Alma Luna sabe que esse lugar talvez seja aquele lugar tão longe e de tão longe não parece que suas pernas alcancem.

A incrível vontade de sumir. Para um lugar que ninguém a procure, que Alma Luna simplesmente seja uma lembrança, quase um sonho, de quem um dia já a conheceu. E que por sua vez ela mesma se desprenda, tão alta, tão amena, tão intensa, que seja só ela a sua última lembrança, para que não sinta mais o peso do mundo e durma no lugar que quiser da cama.

Alma, Alma, acorda e se levanta.