02 julho, 2014

O peixe, a pedra e a árvore

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Como água que sou, apresento minha essência com transparência. Me desfaço em correntezas e invado as margens, os abismos, a natureza, descansando no leito que me der contenção.

O peixe me acompanha no caminho, serpenteando entre meus dedos, imerso e entregue sem desvelo, mergulha sem medo, enfrenta minhas correntes e nelas resiste, paciente.

A pedra dorme imersa no leito, impassível e persistente no fundo de mim. Por ela eu passo, contorno, contorso e revelo-a apenas quando me vejo nua, exposta, despida em maré seca.

A árvore, à minha beira, planta-se inclinada e robusta sobre mim, fincando suas raízes nas minhas entranhas, curvando seu tronco sobre o meu espelho, onde eu apenas reflito sua densa folhagem sem, de fato, a possuir.

Como coração que sou, apresento minha essência com transparência. Me desfaço em correntezas e invado a casa, os quartos, a mesa, descansando no amor que me der contenção.

Entre o peixe, a pedra e a árvore percebo que o peixe é aquele amor possível, tão simples, presente, que apesar das minhas correntezas, aguarda paciente e segue esperando pela minha direção.

Que a pedra pertence a quem dorme no fundo de mim, insistente. Um amor guardado pelo azul profundo, lapidado por cada gota que corre, escondido e submerso, mas fatalmente presente e sem fim. 

A árvore é outro tipo de amor, contemplativo e distante, que se espalha pela minha superfície sem me tocar, pintando sua exuberância na minha tela complacente, que me consome e cresce sobre mim, que debruça seus galhos sobre o meu leito e me joga migalhas de folhas. Um amor que enverga, na mesma proporção, o encanto e o vazio de estar sempre perto e nunca pertencer.

E os três amores seguem pelo rio, mergulhando, ladeando ou dormindo nessas águas bravas, indômitas e sem destino, deixando o leito e o peito em desatino, revoltas por serem, essas águas, o caudaloso caminho de onde não se pode sair.

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