01 maio, 2014

Janela suja


Fazes-me ter insônias. Não saber como acomodar a angústia no travesseiro ou espalhar a tensão do corpo sobre a cama. Com os olhos ébrios, semicerrados, contemplo o dia que amanhece lá fora, numa paleta intensa e viva de cores. Prendo meu foco à sujeira da janela e percebo que entre nós existe uma fuligem que nos engasga. Mal nos conhecemos e já desgastamos algumas arestas, que ao invés de suaves, ficam afiadas. A tua fumaça me incomoda, você inteiro me incomoda e, no entanto, custo a me afastar. Me agarro à ideia de que ao menos fui tirada de um sono insípido do qual eu não conseguia sair. Tudo errado e tão certo, que nasce uma peleja a cada passo dado. Percebo que dançamos uma valsa em descompasso e ao invés de pairarmos leves pelo asfalto, pisamos no pé do outro, recuamos quando devíamos avançar, avançamos em tropeços no recuo do passo. Desconsertante essa sujeita na janela. Não sei se limpo e vejo, enfim, o lado de lá, ou se deixo acumular mais poeira e soterro de vez esse horizonte lilás. É estranho pensar que se não fosse a insônia que você me causa, eu sequer olharia pela janela às cinco horas da manhã. Essa inquietude me atordoa e desespera. Perco o controle. Logo eu tão acostumada a fazer prevalecer minha vontade soberana, me vejo impotente diante dessa vontade maior que é a sua, a da janela, a da sujeita, a do amanhecer, de não me fazer dormir. 

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2 comentários:

  1. Seu texto fez o reflexo do meu ex assombrar minha cabeça a todo tempo, expôs muito intensamente o sentimento mais comum, porém que ainda não tem nome. Isso já não é amor ou uma especie nova de amor, que morre, e nasce todo dia, morre com atitudes e nasce com lembranças.
    http://blogpsike.blogspot.com.br/

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  2. É tudo meio embaçado nessa dança embalada de tropeços. Eis a vida.
    Abraços.

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