25 dezembro, 2010

Mandingas de Reveillon

O ano está acabando e meu otimismo habitual em relação ao ano seguinte, vai se transformando numa angustiante espera que o ano finalmente acabe mesmo, de verdade, e sem suspense. Todo final de ano é a mesma coisa. Eu sempre penso que no ano seguinte uma mudança drástica na minha vida vai acontecer e, aí sim, todos os meus sonhos vão ser realizados e eu vou ser a pessoa mais rica feliz do mundo e consequentemente tudo vai dar certo, e eu vou ser positiva novamente, e o mundo é cor de rosa, e uns passarinhos vão cantar na janela da minha futura mansão. Mas isso é só ano que vem tá? Enquanto o ano se arrasta e não acaba, meu humor é péssimo e a última semana do ano é quase uma TPM.

Para que tudo isso (a felicidade extrema) aconteça, eu sempre insisto em apostar algumas mandingas/supertições de final de ano que, sinceramente, nunca vi funcionar para ninguém, mas que não custa tentar dar uma ajuda ao destino, ainda que essa ajuda seja completamente baseada em lendas inventadas pelas nossas avós ou ainda aqueles deuses todos africanos que todo mundo decide acreditar quando chega o reveillon.

Calcinha colorida: vermelha pra paixão, amarela para dinheiro, branca para paz. Cada cor de calcinha serve para um desejo pro ano seguinte e, sinceramente, eu quero uma calcinha arco-íris, com todas as cores  mesmo por que eu tô precisando de tudo e até uma mudança de opção sexual não pode ser descartada num momento destes.

Roupa branca: porquê mesmo a gente veste roupa branca? Purificação ocidental ou velório indiano? Sempre consigo perceber que duas coisas podem acontecer por vestirmos a roupa branca. Uma delas é celebrar literalmente a morte de mais um ano e por isso o início de uma nova vida eblá blá blá essa coisa toda Hare Krishna. A outra é você acabar a noite com o vestido todo cagado de mousse de maracujá e vinho tinto.

Peru: tender, chester ou até galeto, seja o que for que tenha asas e penas parece ser uma das opções culinárias mais tradicionais para se comer num reveillon com toda a pompa e formosura, mesmo que você roa o osso. A única coisa infame que posso dizer disso tudo é que farofa no dos outros é recheio. Eu prefiro bacalhau.

Champanhe: qualquer bebida espumante que não seja fabricada na região nordeste da França, conhecida como Champagne-Ardenne não é champanhe. Você acha mesmo possível realizar algum desejo de ano novo tomando alguma coisa diferente do champanhe tradicional? Você acha mesmo que brindar com espumante Cereser vai fazer a providência divina/Iemanjá (?) achar que você é digno e merecedor de desejos de reveillon extras, além de todos aqueles que você pede comendo uvas-passas?

Uvas-passas: são 12 uvas-passas que temos que comer no reveillon para garantir que cada mês do ano seguinte seja repleto de coisas boas, o que me leva à conclusão de que existe uma incongruência nesse procedimento, levando em consideração que, para mim, o que estraga o arroz à grega é a uva-passa, o que estraga o bolo de frutas secas é a uva-passa e que o que estraga a uva é o fato dela se transformar em passa.

Trevo de quatro folhas: é sempre bom andar com um para garantir sua sorte o ano inteiro e quiçá a vida toda. Mas bom mesmo é você aprender a desenvolver as técnicas de cultivo necessárias para que, ao crescer sob uma temperatura média de 25º centígrados com bastante chuva e pelo menos 8 horas diárias de escuridão, o trevo desenvolva essa incrível anomalia de se dividir em quatro folíolos ao invés dos habituais três. Isso sim, é garantir sua sorte para toda a vida e uma vida de agonia para um trevo. Seguindo a máxima da lei do retorno, do “aqui se faz, aqui se paga”, dos ditados “quem com ferro fere, com ferro será ferido” ou outra qualquer filosofia de buteco que sugira que o que vai, volta, eu prefiro manter o trevo com três folhas, de preferência plantadinho na terra, em vez de trancado dentro da minha carteira. Vai que né...

Fitinhas do Nosso Senhor do Bonfim da Bahia: esse pedacinho de pano enrolado no pulso onde todos os anos, há muitos anos, eu deposito todas as minhas esperanças em relação ao meu futuro papel na sociedade. Três nós e três desejos que todos os anos eu peço exatamente a mesma coisa: me formar, casar, ter filhos. Meus desejos são bem rasos e eu nunca pedi o fim da violência ou a paz no mundo o que me leva a crer que sou meio egoísta há uns 25 anos. O problema dessas fitinhas é que você não pode tirar. Elas têm que se desgastar e arrebentar sozinhas e, acho que por isso, meus desejos nunca se realizaram completamente. Sempre rolava um casamento pra ir e a pulseira estragava minha roupa de princesa o que me fazia ter que arrancá-la ainda no primeiro trimestre do ano. Resultado: até hoje só me formei mesmo e por que fui muito teimosa e isso me dá a oportunidade de, em 2011, pedir outro desejo diferente do da formatura. Eu vou pedir riqueza já que o dólar na minha carteira não está funcionando.

Um dólar na carteira: por falar em dólar, alguém inventou que andar com um dólar na carteira atrai dinheiro. Na verdade a única coisa que faz é nos dar a sensação psicológica de que ainda tem dinheiro na carteira quando, na verdade, você tem no máximo 25 centavos pra dar pro flanelinha. O dólar na sua carteira tem a função de fazer você achar que é próspero e achando isso você está “mais próximo” de ser do que aquele que se acha um miserável. Uma linha de pensamento maravilhosa que dá certo até o momento em que você quer comer uma coxinha, ou pegar um ônibus por que seu carro quebrou e não tem 1 real sequer pra pagar. No final das contas o que faz de você rico e próspero no Brasil é ter vários reais (moeda corrente do país) na carteira, ao invés de dólar.

Flores pra Iemanjá: reveillon no Brasil é mesmo lindo. Todo mundo reza suas orações cristãs e depois corre pra praia pra jogar algumas flores pra Iemanjá, deusa do mar, orixá do candomblé, rainha pagã dos mares, na imensidão da praia de Boa Viagem, unindo duas religiões que, em tempos de Inquisição, com certeza ia ter gente ardendo numa pira escandalosa. E o que se faz quando se jogam as flores? Se fazem pedidos de novo. Por que o reveillon é uma grande oportunidade de encher as instâncias superiores de pedidos inatendidos. Mas ao invés de flores você pode jogar outras coisas no mar, como: latinhas de cerveja, copo plástico, rolhas do espumante Cereser que não vai te garantir pedidos, sacos plásticos de bompreço da farofa que você levou pra praia ou pedaços do isopor que seu tio bêbado sem noção quebrou quando decidiu cair sentar em cima.

Pular 7 ondinhas: por que em Boa Viagem você pode pular ondinhas ou dejetos daquela que é a noite mais nojenta da praia em Recife e ainda fazer mais alguns desejos, de preferência pedir pra não pegar nenhuma doença depois de molhar seus lindos pézinhos de unhas feitas na imundície da água que Iemanjá vai sofrer pra limpar. Daí as ondas né, uma tentativa frustrada da rainha do mar de devolver para terra as oferendas indesejadas que mandaram pra ela.

Então o ano está acabando e eu tenho que me preparar para o ritual das mandingas que nada têm feito para mudar a minha vida a não ser a de, todos os anos, dar uma guinada de 180º na minha existência o que dá para perceber, se você alguma vez prestou atenção nas aulas de geometria, que eu sempre vou e volto pro mesmíssimo ponto. 180º. Com certeza devem existir outras simpatias de final de ano, fora aquelas de tomar banhos de várias espécies, mas este ano, só mais uma vez, pode ser que eu tome banho, corajosamente, na praia de Boa Viagem, pule 7 ondinhas, jogue flores para Iemanjá, brinde o ano novo com espumante Cereser, recoloque meu dólar na carteira, procure incansavelmente um trevo de quatro folhas, me vista de branco, compre uma calcinha amarela, coma 12 uvas-passas e amarre, de novo, aquela fitinha do bonfim amarela fluorescente que eu sei que agora mesmo em janeiro, vou ter que desamarrar. Mais uma amiga vai casar.

4 comentários:

  1. Só uma detalhe Carol, nas minhas mandingas não se pode comer na noite de reveillon nenhum bicho que cisque para trás (nunca vi nenhuma ave ciscar pra frente ou pros lados, mas enfim)
    E de fato: puta coisa nojenta a tal da uva passa! kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk

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  2. Conheço um cara que achou injusto a simpatia da calcinha ser só pras mulheres e resolveu romper o ano usando tambem. Branca, pela paz.

    A mulher escobriu, achou que ele tinha mudado de time, botou ele pra fora de casa, proibiu os filhos de ver o pai transformista e daí ele entrou em depressão, perdeu o emprego, passou a roubar e hoje está no Aníbal Bruno, onde voltou a usar calcinha, dessa vez obrigado pelos companheiros de cela.

    Em suma: não recomendo.

    http://oblogdareclamacao.blogspot.com/

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  3. Conheci seu blog hoje e fui lendo textos antigos. Tá longe do reveillon, o texto é antigo, mas eu me diverti muito! Obrigada.

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  4. Descobri seu blog hoje e fui lendo textos antigos. Estamos longe do reveillón, mas esse texto me divertiu muito! Obrigada!

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