13 abril, 2011

bipolaridade

Lembra do tempo de escola, que sempre tinha uma turminha de alunos de óculos, sentados nas primeiras cadeiras da sala? Aquelas crianças que desde cedo demonstram todo o interesse do mundo por qualquer coisa que a professora fala?

Eu era uma delas, sem o óculos. Meus três melhores amigos usavam óculos, ou aparelho, ou os dois, e eu tenho quase a certeza que um deles sofria de algum tipo de retardo mental. Éramos duas meninas e dois meninos, cada um com seus interesses científicos, à exceção do amiguinho retardado que sempre estava com a boca entreaberta, ligeiramente babada.

Lembro com um certo carinho da minha infância. No meio da minha inocência juvenil eu nunca consegui realmente perceber a dimensão da minha real situação. Eu era uma nerd de poucos amigos, a garota que nenhum menino jamais se interessava (exceto, claro, meus próprios amiguinhos de óculos), aquela que tinha uma coleção completa de livros sobre mamíferos e cetáceos, que sabia decoradas todas as quatro eras geológicas e respectivos dinossauros e que sonhava em ganhar um dicionário Aurélio para completar a sua coleção particular de livros imprescindíveis. Eu era ainda a colega que não passava fila para os colegas-mala da turma, aquela que não interagia com a turma do fundão e que usava as roupas mais horrendas do universo. Eu era aquela criança que achava bacana usar óculos e lamentava ter os dentes perfeitamente corretos sem precisar de aparelhos.

Quando eu digo que lembro com um certo carinho é por que, de fato, era pitoresca e fofa, para não dizer trágica, essa minha condição infantil. Além da vontade louca de aprender mil coisas sozinha, de sorver as palavras dos livros como uma desesperada, eu cultivava o sonho mais lindo do mundo: ser bióloga marinha. Eu não queria ser modelo, aeromoça, médica ou advogada. Eu queria ser bióloga. Claro que com 7 anos de idade ninguém realmente sabe o que quer, mas essa determinação científica permaneceu por muitos anos, até eu constatar a minha óbvia incompetência para as disciplinas exatas como matemática, física e química. Eu achava que para ser bióloga bastava ter um microscópio e ser boa em biologia.

Nasci assim mesmo, eu suponho. Talvez a inteligência absurda da minha mãe tenha despertado alguma coisa no meu genoma que me fez nascer estudiosa. Nem estudava muito realmente, mas sempre me interessava pelos assuntos escolares (entre uma dezena de outros) e enquanto todo mundo dormia na aula daquela professora louca de história, eu ficava perplexa com a genialidade da mulher e a forma como o seu discurso aparentemente disparatado, fazia total sentido. Em geral eu era também a única aluna que participava das discussões de filosofia daquele professor estrábico, meio surdo e muito velhinho. A única que levantava o braço para responder todas as perguntas. A única que queria ler em voz alta as passagens do livro maçante Os Maias, de Eça de Queiroz. Aquela que citava, sem titubear, a estrofe inicial d' Os Lusíadas de Camões e se deleitava com todos os livros complexos da literatura lusitana que a professora passava pra ler em casa. A única que os lia.

Eu era ainda aquela com quem todo mundo queria fazer trabalho de grupo, mas apesar da minha inocência, eu nunca fui tão ingênua a ponto de fazer trabalhos em troca de amigos. Por isso fazia todos os trabalhos com a minha amiguinha crânio e juntas tinhamos sempre as melhores notas da turma. Era uma questão de honra e o troco pelo bullyng de ser caçoada e apanhar quase todos os dias das outras crianças. A inteligência era meu único orgulho já que eu era magrela e pequena demais, banguela com os dentes caindo, cabelo ralo e escorrido, pobre, piolhenta e com amigos retardados. Talvez esse orgulho todo tenha sido o fator decisivo para a minha intolerância à burrice, mas isso é um post à parte.

O meu perfil de estudante-nerd andrajosa permaneceu por muitos anos, até o fim da faculdade  propriamente, mas praticamente até os 17 anos de idade, eu ainda achava mais interessante um livro de astronomia do que sair com amigas para tomar porre nas baladas. Minha vida era uma emocionante aventura entre livros de todas os tipos, o Clube do Meio Ambiente da escola (composto por não mais de 7 pessoas, numa escola de 1500 alunos), atividades de  ginástica olímpica, rappel e escalada, convivência com os amigos nerds, agora sem aparelhos nos dentes, mas com algum instrumento musical, entre outras coisas instigantes como tomar ice tea de pêssego na praia.

Quem me vê hoje jamais poderia imaginar como foi minha infância nerd (não aquela nerd de videogame, mas de livros mesmo, rata de biblioteca). Jamais poderia pensar que eu uso salto alto e roupa escandalosa para compensar os longos anos de patinho horroroso e cenas dignas de filme americano (tipo Garotas Malvadas). Jamais conseguiria imaginar que a expansividade que eu tenho na rua/blog, eu compenso com introspeção, timidez e bons livros. Que o meu blog de moda aparentemente fútil é a válvula de escape de uma quantidade sem fim de densos pensamentos. Ou que o que eu falo de besteira é a compensação por todos os debates de filosofia com o professor. Muito menos alguém que me conheça hoje, poderia entender como duas pessoas tão diferentes podem viver no mesmo corpo: a blogueira louca que escreve e a nerd tímida que vive.