28 abril, 2009

As chaves

Pára tudo. Naquele momento Silvia não consegue dizer nada. Ela queria muito um papel e uma caneta para escrever, por que falar não consegue. Silvia está deitada, muda, calada, sobre o peito de Rafael. Silvia tem tanta coisa para dizer e não diz nada. Só sabe que está inundada, não tem palavras. Sabe que Rafael encontrou a chave dos seus segredos, janelas, portas e desassossegos. Sabe que Rafael sabe destrancá-la quando bem entende, e nesse momento Silvia está desarmada. Sente-se ainda mais nua, desvelada, exposta, sem guarda.

Ele descansa tranquilamente sem pensar em nada. Ela tem tantos pensamentos, tão intensos, tão desgovernados, que pensa se eu não estiver concentrada vão me escapar da cabeça em debandada. Rafael permanece mudo, Silvia continua calada. Ela não sabe se ele sente aquela mesma coisa que ela. Aquela intensidade, aquele abismo, aquela vertigem sem fim. Ela não sabe até que ponto o corpo dele se desmancha feito o seu e se perde, ou enfraquece feito o seu. Ela não sabe até que ponto ele também fica sem saber o que dizer. Silvia não sabe ainda se aquele peso no peito que ela sente, ele sente também. Aquela angústia de poder perder a única pessoa que conseguiu achar as chaves do seu segredo, por que Silvia perde as chaves o tempo inteiro.

07 abril, 2009

Minha mãe

Mãe, hoje eu quero colo.

Só colo. Aquele tipo de colo que só a minha mãe pode me dar. Aquele momento em que eu deixo a minha cabeça pesar sobre as pernas macias, morenas e sem pêlos da minha mãe. Hoje eu quero colo com direito a tudo: às mãos da minha mãe alisando meus cabelos, à sua voz me chamando de "meu passarinho". Hoje eu quero chorar por horas a fio nesse colo, por que sei que não é preciso motivo para chorar no colo de mamãe. Mãe, toda ela, nos deixa chorar à vontade, respeitando nosso silêncio, nossas lágrimas de crocodilo, nossos olhos inchados, nossas faltas de motivos. Hoje eu quero colo. Colo que homem, amiga, tia, avó, ninguém pode dar, só mãe. Mas mamãe não está perto. Por agora me contento com os travesseiros que não alisam os meus cabelos, nem sussurram ao meu ouvido "chore, chore tudo meu passarinho".

Créditos

à minha mãe que é assim mesmo.
ao colo que só ela sabe me dar.

A vida de Sofia

Só quando há tristezas, há posts.


Sofia olha-se ao espelho e não se reconhece. Como está envelhecendo! Acabou de descobrir finas rugas em baixo dos olhos e os seus cabelos não têm mais cortes esquisitos e pontas vermelhas da sua adolescência. Sofia passa a vida travando batalhas consigo mesma, passa horas se ocupando do que não gosta ou não interessa. Sofia não respira, tem olheiras, está cansada e agora tem rugas e gorduras também. Sofia não tem tempo e quando tem não tem forças para fazer qualquer coisa com ele. Sofia quer dormir. Para sempre. Quer pular as etapas da vida. Não quer ter os filhos que deveria ter, ou o casamento. Não quer emagrecer nem estudar nem trabalhar. Sofia quer a paz que só a idade avançada poderia lhe proporcionar. Sofia quer só uma cadeira de balanço, uma brisa, uma vida pouco intensa, com quase nada para fazer. Sofia quer que a vida se apresse e passe logo, para que ela possa descansar. Seu cansaço não é mais físico. Sofia cansou de todos os dias fazer aquilo que faz todos os dias. Por que Sofia percebe que a vida acaba e depois que acaba não sobra nada, nem trabalho, nem dia, nem vida, nem Sofia.